Jus variandi e jus resistentiae: Os limites do poder diretivo do empregador e direito de resistência do empregado.

 

Com o advento da Revolução Industrial, que marcou a transição dos métodos artesanais de trabalho para a produção por máquinas a vapor, as pessoas, que antes viviam necessariamente da agricultura, passam a oferecer seu trabalho braçal como moeda de troca para subsistirem, é nesta época que a noção de “emprego” na história da humanidade começa a surgir.

Diante desta nova relação jurídica, duas novas figuras se revelam: o empregador e o empregado, pois, antes disso, o trabalho era desempenhado por escravos ou, na Idade Média, pelos servos dos senhores feudais.

Interessante, portanto, a análise das características fundamentais de um contrato de trabalho:

a) Continuidade (o contrato é de natureza não eventual, que se prolonga no tempo);
b) Onerosidade (Prevê o recebimento de uma remuneração pelos serviços prestados);
c) Pessoalidade (Contratação de pessoa física que prestará pessoalmente o serviço);
d) Alteridade (indica que somente uma das partes é responsável por todos riscos do negócio, ou seja, o empregado pode participar dos lucros, mas nunca dos prejuízos da empresa);
e) Subordinação (estar diretamente subordinado às ordens do empregador).

Grifo especial à palavra “Subordinação”, pois este será o enfoque principal deste artigo.

No Brasil, a CLT define o empregador em seu artigo 2º como sendo “a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal do serviço. ”

A palavra “dirigir”, presente no texto de lei, pode ser compreendida como o poder hierárquico ou o chamado poder diretivo de comando do empregador sobre as atividades exercidas por seu empregado, ou seja, a titularidade do poder diretivo do empregador está diretamente ligada à subordinação jurídica do empregado, que é um dos requisitos da relação de emprego.

Os autores Rivero e Savatier exploram bem esta questão escrevendo que “a autoridade do dirigente da empresa apresenta-se sob tríplice aspecto: ele possui sobre seus subordinados um poder geral de comando no exercício de seu trabalho; ele pode, em virtude deste poder, estabelecer, no que se refere ao funcionamento da empresa, disposições gerais que constituem o regulamento interno; por fim, ele aplica sanções, diante das faltas praticadas, por meio de medidas disciplinares”. [1] Sendo assim, podemos afirmar que “o poder diretivo consiste na gama de atitudes inerentes à ação atribuída ao empregador de organizar e regulamentar as atividades empresariais, bem como de informar e determinar ao empregado o modo pelo qual a prestação dos serviços deve ser executada. Tais prerrogativas encontram, evidentemente, limites legais, dado não se cogitar de um poder absoluto, nem justificador de atos de arbítrio.” [2]

Sendo assim, pode se entender o poder diretivo não apenas com a função de dar ordens, como também implica no controle e vigilância de seus subordinados. Ou seja, o empregador tem o direito de exigir e regrar as prestações de serviço, entretanto, é óbvio que deve se observar um limite.

 

Mas que limite é este?

É importante destacar que este poder não atribui ao empregador autoridade absoluta sobre seus empregados, sendo assim, esta relação deve sempre pautar-se na consideração e no respeito mútuo, afastando as arcaicas figuras do “servo” e do “senhor” ou do “escravizador” e “escravizado”, presentes no passado da história da humanidade, além disso, as atitudes do empregador nunca deverão ignorar os princípios da liberdade individual e da dignidade da pessoa humana do trabalhador, princípios estes tão bem amparados por nossa Constituição Federal, que também contempla outros direitos fundamentais, como o direito à intimidade, à imagem, à liberdade de crença, de expressão e de informação.

Seguindo este raciocínio, podemos citar alguns exemplos atentatórios à dignidade do empregado, como por exemplo, uma secretária que é obrigada a passar por revistas íntimas por seu patrão ou um atendente de telemarketing que é obrigado a trabalhar em uma mesa distante dos demais, pois, segundo seu chefe, ele possui mal hálito.

O último exemplo dado, nos remete à um tema importante a ser tratado, que é o assédio moral.

Podemos defini-lo como o ato praticado pelo empregador ou até mesmo pelos colegas de trabalho que evidenciam a violência psicológica contra um empregado com a exposição deste a situações humilhantes; como xingamentos; agir com rigor excessivo; negar folgas e emendas de feriado quando os outros empregados foram dispensados; exibição de metas inatingidas ou o uso de apelidos são alguns dos exemplos que podem configurar o assédio moral.

São atitudes como estas que, frequentemente repetidas, tornam a relação de emprego insuportável, ocasionando danos psicológicos e até físicos ao empregado.

 

Mas afinal, o que é Jus variandi? E jus resistentiae?

Um dos principais requisitos do contrato de trabalho é a continuidade, ou seja, é a prestação de serviço que se prolonga no tempo. Diante disto, é comum que algumas variações no contrato de trabalho ocorram, obviamente que, em regra, as cláusulas contratuais pactuadas devem ser mantidas – pacta sunt servanda – entretanto, em algumas situações, algumas alterações unilaterais provocadas pelo empregador podem ocorrer.

Nos contratos de trabalho, as alterações, em regra, são vedadas, visando o princípio da proteção ao trabalhador, que, por ser manifestadamente subordinado ao seu empregador e economicamente débil, não possui condições de queixar-se livremente às alterações no curso do contrato de trabalho que lhe seriam prejudiciais. Entretanto, a doutrina e a jurisprudência passaram a considerar o direito do empregador em variar algumas condições contratuais, o chamado jus variandi, ou seja, observando certos limites legais, esta é a possibilidade do empregador de alterar unilateralmente as condições trabalhistas.

Tanto é possível, que, além da norma geral constante no artigo 9º da CLT, o art. 468 enfatiza que “nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantida”, quanto aos fundamentos legais que permitem a interpretação de que certas alterações são permitidas, encontram-se no artigo 456, parágrafo único “à falta de prova ou inexistindo cláusula expressa à respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal”, bem como no art. 444 “as relações de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhe sejam aplicáveis e às decisões de autoridades competentes”.

Ou seja, é evidente que o direito de alterações por parte do empregador deve pautar-se nos princípios da razoabilidade.

Exemplo disso, pode ser a mudança do horário ou de local do trabalho, ou a promoção do empregado que passa a exercer função adversa do estipulado em contrato de trabalho, ou qualquer outra alteração que não traga prejuízos à este funcionário.

 

Giuseppe Pera sustenta que a subordinação e o poder diretivo são admissíveis apenas na medida necessária para que as obrigações decorrentes do contrato sejam realizadas, mas não se cogita de um domínio de uma pessoa sobre outra. Quando o poder diretivo for excedido, ou quando se exija do trabalhador alguma coisa não prevista em seu contrato de trabalho, compete ao mesmo uma espécie de jus resistenciae, com a possibilidade de recusar-se ao que for ilegitimamente solicitado sem que esta atitude configure ato de insubordinação. [3]

 

Montoya Melgar analisou os pressupostos da chamada “desobediência legítima”, pois, segundo ele, “O trabalhador, pois, está legitimado a desobedecer as ordens que não configurem “exercício regular” das funções de mando do empresário; posição legal que já vinha antecipando a jurisprudência e, antes dela, a doutrina. Destarte, existe não um direito a desobedecer, mas um dever de fazê-lo quando a ordem emitida pelo empresário imponha ao trabalhador uma conduta manifestadamente ilegal (como matar um desafeto do patrão ou a falsificação de documentos), em casos como estes o trabalhador tem o dever de desobedecer se não quiser ficar incurso em responsabilidade penal, já que não poderá eximir-se alegando obediência devida (art. 8º, 12, CP), ao faltar licitude tanto à ordem do empresário como o seu cumprimento”. [4]

Podemos ir além e tratar de uma questão relevante sobre o direito de resistência sobre o aspecto técnico em que a desobediência se faz necessária, exemplo disso é o engenheiro civil que deixa de acatar as ordens de seu chefe pois sabe que esta atitude poderia prejudicar a obra, podendo trazer sérios riscos de desmoronamento do solo ou problemas estruturais de um prédio ou o advogado empregado, que amparado pelo Estatuto da Advocacia, tem autonomia e liberdade na execução de serviços, podendo negar as ordens de seu superior que colocariam seus clientes ou sua carreira em risco.

O jus variandi e o jus resistentiae não caminham juntos, um anulando o outro, entretanto, o uso irregular do primeiro faz nascer o segundo. [5]

 

E quando esta resistência não for suficiente para frear os abusos cometidos pelo empregador?

Neste caso, algumas situações podem ocorrer, o empregado permanece no emprego entretanto requer em juízo a anulação do ato imposto ou dar o contrato de trabalho por rescindido sob a arguição de justa causa patronal fundamentando-se no art. 483 da CLT e pleiteando as reparações devidas ou resistir à ordem manifestadamente ilegal, podendo, nesta última hipótese sofrer punições disciplinares ou até mesmo a demissão por justa causa, sob o fundamento de insubordinação cabendo à Justiça do Trabalho apreciar o caso concreto, reconhecendo ou não a despedida arbitrária.

Na dúvida, consulte sempre um advogado para lhe dar maiores informações.

2017-07-13T00:16:12-03:00